"Não muito longe da fronteira da Suíça encontramos uma placa com a indicação de Dorf. Viramos numa pequena estrada, que conduzia suavemente montanha acima. Era uma região deserta; lá em cima, perto dos picos, só havia algumas poucas casas de madeira espalhadas entre as árvores.
Logo escureceu, e já estava quase pegando no sono quando despertei ao ouvir meu pai dizer:
- Pausa para um cigarrinho.
Descemos do carro e respiramos o ar puro dos Alpes. Era noite. Lá no alto, o céu estrelado parecia um cobertor elétrico com milhares de pequenas lâmpadas, cada uma com um milésimo de watt. Meu pai foi fazer xixi no acostamento. Quando voltou, acendeu um cigarro, apontou para o céu e disse:
- Somos uns caras danados mesmo, meu filho. Veja você... não passamos de figurinhas de Lego tentando ir de Arendal até Atenas num pequeno Fiat! Que coisa, hein? E dentro de um grãozinho de ervilha! Sim, porque lá fora, quer dizer, fora dessa vagem em que vivemos no nosso grão de ervilha, Hans-Thomas, existem muitos bilhões de galáxias. Cada uma delas possui algumas centenas de bilhões de estrelas. E só Deus sabe quantos planetas existem! – Bateu a cinza do carro e continuou: - Não acredito que estejamos sozinhos, meu filho. Não acredito mesmo. O universo está fervilhante de vida. Só que nunca saberemos se estamos ou não sozinhos. As galáxias são como ilhas solitárias, sem qualquer ligação entre si.
É verdade que se podia criticar muita coisa no meu pai, mas nunca achei chato conversar com ele. Ele é o tipo de pessoa que nunca iria se contentar com uma vida de mecânico. Se dependesse de mim, ele teria direito a um salário do governo como filósofo. Certa vez ele mesmo disse algo nesse sentido: “Temos ministérios para tudo, mas não para a filosofia. E até os países grandes acham que podem dar contas de suas tarefas sem elas”.
Com o peso daquela herança que eu tinha sobre os ombros, tentava participar das conversas filosóficas que meu pai sempre começava quando não estava falando de mamãe. Naquele momento, eu disse:
- O fato de o universo ser tão vasto não significa necessariamente que a nossa Terra seja um grão de ervilha.
Meu pai sacudiu os ombros e acendeu outro cigarro. No fundo não estava particularmente interessado na opinião dos outros quando falava sobre a vida e sobre os astros. Nesse ponto era um homem seguro demais quanto à sua própria opinião. Em vez de comentar minha afirmação, disse:
- Com mil diabos, Hans-Thomas, de onde vêm as pessoas como nós? Você já pensou a respeito disso?
É claro que já tinha pensado muitas vezes; mas como sabia que minha resposta não adiantar muita coisa, deixei que ele continuasse falando. Nós nos conhecíamos fazia tanto tempo, meu pai e eu, que eu sabia que aquilo era o melhor.
- Você sabe o que a sua avó me disse um dia? Ela disse ter lido na Bíblia que Deus está lá no céu e ri das pessoas que não acreditam nele.
- E por quê? – perguntei. Perguntar era sempre mais fácil do que responder.
- Muito bem... – começou meu pai. – Se há um Deus, que nos criou, então de certa forma somos “artificiais” aos seus olhos. Falamos besteiras, discutimos e brigamos entre nós. Depois nos separamos e morremos, compreende? Somos superinteligentes: sabemos contruir bombas atômicas e foguetes para ir à Lua. Mas nenhum de nós se pergunta de onde veio. A gente simplesmente se contenta em estar por aqui, dividindo com os outros este espaço.
- E é nessa hora que Deus ri de nós?
- Exatamente. Se nós fôssemos capazes de criar um ser artificial, Hans-Thomas, nós também iríamos rachar o bico de rir se esse ser artificial saísse por aí falando um monte de bobagens sobre os índices da bolsa de valores ou sobre corridas de cavalos, por exemplo, sem se perguntar a coisa mais simples e mais importante de todas: “De onde é que eu vim?”.
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