Esse é um fragmento do livro "A Cabana", situado no capítulo 6 - Aula de Voo
"Papai não respondeu, apenas olhou para as mãos dos dois. O olhar de Mack seguiu o dela, e pela primeira vez ele notou as cicatrizes nos punhos da negra, como as que agora presumia que Jesus também tinha nos dele. Ela permitiu que ele tocasse com ternura as cicatrizes, marca de furos fundos, e finalmente Mack ergueu os olhos para os dela. Lágrimas desciam lentamente pelo rosto de Papai, pequenos caminhos através da farinha que empoava suas faces.
- Jamais pensei que o que meu filho optou por fazer não nos custou caro.
O amor sempre deixa uma marca significativa - ela declarou, baixinho e gentilmente, -
Nós estávamos lá, juntos.
Mack ficou surpreso.
- Na cruz? Espere aí, eu pensei que você o tinha
abandonado. Você sabe: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?" - Era uma citação das Escrituras que frequentemente assombrava Mack na
Grande Tristeza.
- Você não entendeu o mistério daquilo. Independentemente do que ele sentiu no momento, eu nunca o deixei.
- Como pode dizer isso? Você o abandonou, exatamente como me abandonou!
- Mackenzie, eu nunca o abandonei e nunca deixei você.
- Isso não faz nenhum sentido - reagiu ele rapidamente.
- Sei que não, pelo menos por enquanto. Mas pensei nisso: quando tudo que consegue ver é sua dor, talvez você perca a visão de mim, não é?
(...)
- Não se esqueça, a história não terminou no sentimento de abandono de Jesus. Ele encontrou a saída para se colocar inteiramente nas minhas mãos. Ah, que momento foi aquele!
Mack se encostou na bancada um tanto perplexo. Suas emoções e pensamentos estavam todos misturados. Parte dele queria acreditar em tudo que Papai dizia. Seria ótimo! Mas outra parte questionava ruidosamente: "Isso não pode ser verdade!"
Papai continuou:
- Não sou quem você acha, Mackenzie. - As palavras dela não eram raivosas nem defensivas.
Mack olhou para ela, olhou para o cronometro e suspirou:
- Estou me sentindo totalmente perdido.
- Então vejamos se podemos encontrá-lo no meio dessa confusão.
Quase como se tivesse a deixa um pássaro azul pousou no parapeito da janela e começou a pular para trás e para frente.Papai enfiou a mão numa lata sobre a bancada e, abrindo a janela, ofereceu para isso.Sem qualquer hesitação e com aparente ar de humildade e gratidão,o pássaro foi direto para a mão dela e começou a comer.
- Considere nosso amiguinho aqui - começou ela. - A maioria dos pássaros foi criada para voar. Para eles, ficar no solo é uma limitação de sua capacidade de voar, e não o contrário. - Ele parou para deixar que Mack pensasse nisso.- Você, por outro lado, foi criado para ser amado. Assim, para você, viver como se não fosse amado é uma limitação e não o contrario.
Mack assentiu não porque concordasse completamente mas sinalizando que entendia e estava acompanhando. O que ela dizia era bastante simples.
-Viver sem ser amado é como cortar as asas de um pássaro e tirar sua capacidade de voar. Não é algo que eu queria para você.
Ai é que estava. No momento ele não se sentia particularmente amado.
-Mack a dor tem a capacidade de cortar nossas asas e nos impedir de voar. - Ela esperou um momento, permitindo que suas palavras se assentassem. - E, se essa situação persistir por muito tempo, você quase pode esquecer que foi criado originalmente para vocar.
Mack ficou quieto. Estranhamente, o silêncio não era tão desconfortável assim. Olhou o pássaro. O pássaro olhou de volta para Mack. Ele imaginou se seria possível os pássaros sorrirem. Pelo menos aquele parecia ser capaz.
- Não sou como você, Mack.
Não era uma repreensão, e sim a simples declaração de um fato. Mas para Mack foi como um banho de água gelada.
- Sou Deus. Sou quem sou. E, ao contrário de você, minhas asas não podem ser cortadas.
- Bom, é maravilhoso para você, mas onde, exatamente, isso me deixa? - reagiu Mack, parecendo mais irritado do que gostaria.
Papai começou a acariciar o pássaro, aproximou-o do rosto e disse:
- Exatamente no centro do meu amor!"